segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Bicho Morto Lixo

Me lembro que
poucos segundos antes,
olhei no relógio e ouvi
o tempo falando do meu atraso
E assim me fiz
urgente, novamente,
mais depressa, a acelerar

Aconteceu

Em um lampejo de reflexo
me pus a observar pelo retrovisor,
um contraste,
no breu do piche escaldante
do asfalto,
na forma de cores vivas,
pintadas no chão
feito arte abstrata,
com os líquidos e sólidos
do cadáver de algo morto há pouco,
que também fora marcado pelos pneus carecas do meu carro

Uma pomba morta no meio da rua
A pomba morta
Que morreu atropelada
Que outro alguém atropelou antes de mim
E que depois de morta
foi atropelada novamente inúmeras vezes
E que talvez agora,
ainda esteja sendo atropelada
E que permanecerá sendo atropelada
até que o atrito entre o pneu dos carros e o asfalto,
consuma todos os seus restos.

Ninguém se comove com uma pomba morta
no meio da rua
Muito menos às 14 horas,
na tarde de um dia de sol e muito calor em Ribeirão Preto
Eu também não me comovi com a pomba morta
no meio da rua
Simplesmente passei
Por cima da vida que se perdera
Eu tinha pressa
Mas eu gosto de pássaros

Pássaros me encantam, pois,
sempre que passeio com minha filha
procuramos pelos pássaros
nas árvores,
nos fios,
no chão à procurar comida.
E sinto um gosto doce,
de vida,
quando a Nina corre atrás e eles saem voando

Mas,
a pomba morta no meio da rua não voava
Era indiferente
Não estou de luto
Não estou triste por ela
Eu apenas sinto saudades da Nina,
e da humanidade empática
e transformadora que a sua presença me traz
e que poderia me ter feito importar
com a pomba morta no meio da rua.