sexta-feira, 5 de abril de 2024

Fruta Podre

A fruta podre
esquecida no saco plástico transparente
na gaveta da geladeira
em chorume 
de parte inferior podre
mas superfície bonita
me lembra o vestido bonito 
que cobriu as curvas do teu corpo 
como quem guardava a imagem de ser quem dizia ser
não fez suco nem bolo
esperando algo melhor
e de repente foi a dúvida 
de se aproveitar a superfície apenas 
ou tacar logo no lixo


segunda-feira, 1 de abril de 2024

Sentinela

A sentinela
que não guardou
você do lugar que me quis
bem longe do que eu queria ser
não veio saber
nem viu o lugar
da sua fala fácil ali sentada a me apontar 
todas as desgraças do desejo
como se eu fosse uma fuga ou uma culpa do manejo dos seus medos

quinta-feira, 21 de março de 2024

Janela fechada

Janela fechada não deixa entrar poeira
entra pouca luz do sol
não entra a água de chuviscos
nem problemas de tempestades

Janela fechada cancela as brisas incertas
esconde pontos de vista
mas não entra poeira
não deixa sujar a casa

Janela fechada não deixa o frio beijar a pele
faz sereno bater em retirada
e no calor, maltrata a ausência dos ventos pois a janela está fechada 

Janela fechada sufoca
mas não deixa entrar barata
não deixa entrar mosquito
não deixa entrar gente

Janela fechada não deixa entrar poeira
não deixa sujar a casa, não deixa entrar bandido, não dá alarde
mas não deixa sair nada
não deixa o céu ser visto 





A rainha do metro quadrado

A rainha do metro quadrado
ela cisca o chão liso
escorrega à própria sombra
e bica as costas, chora
abraçada na cena
abdica de sua própria realidade
vai pra lá mas volta 
nos suspiros em brincar de ser
bagunça tudo
todo mundo
mas para 
e come do milho que qualquer um jogar




Papel

Papel para limpar a boca
Papel para limpar as mãos
Papel para limpar a bunda
Papel para desfazer o branco
Papel para documentar 
Papel para assinar
Papel para dobrar
Papel para a propaganda
Papel para protestar 
Papel para rasgar
Papel para lembrar
Papel para arguir
Papel para salvaguardar
Papel para comprometer
Papel para estarrecer
Papel para atacar
Papel para mandar
Papel para trazer
Papel para voar
Papel no lixo

Sulamericano

Sou brasileiro do calor guaraná 
e humano corpo, em música de feitiçaria 
não apenas samba e lirismo
não apenas tropical e futebol 
sou latino sonhador coquetel molotov 
amor andino a beijar dos frios lábios rachados
karapanãs famintos a chupar o sangue na selva
não apenas terceiro mundo, restos do g8

Sou democracia com fome
filho fático subdesenvolvido da mãe de peito pátria
espúria simétrica da sina de avanço
farelo de pão duro
farinha de macaxeira 
nome sujo no Serasa
sem crédito na praça, no banco, na quebrada
olho aberto e noite mal dormida
sou a beleza do amanhã sulamericano de um hoje que não bastou


Espelho sujo

Vi a face ao sol do dia
sorrir conveniente 
a se perder na própria imagem
erguendo espadas, celebrando as palavras
altar da própria certeza

Vi moldes de panos disfarçarem o corpo
cobrindo em etiquetas 
a soberba de achar que saber demais basta

Vi títulos de papéis reforçarem as fechaduras, ásperos ressentimentos
forjarem a direção das falas naquilo que há de ser o mais convencional
de acordo com a comodidade e do encaixe da bunda no sofá
erguendo o tom com a fúria de quem esquece e não ouve
não vê o que enxerga
não come o que engole
e não é o que acha que pensa 

Nada

O nada
Absoluto nada
seca
zero
escuridão
caixa vazia
garrafa quebrada
folha em branco
o fim
o medo
silêncio
céu sem nuvem
muro cinza
pasta vazia
outono
drive apagado
arquivo corrompido 
a não existência da vida após a morte 
a não existência da alma
a explosão do sol em 5 bilhões de anos
o fim do sistema solar
colapso da via láctea
o fim de todas as matérias em todas as galáxias 
o absoluto fim do universo para todo o sempre

Esse dia chegará.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Cerveja quente

Meu som que esvai dos pulsos e me banha em suor não é seu tipo
meu som não é feito de aço
nem é pra dar palco 
pro seu bandolin

Minha letra passeia a beira 
do chão e da rasteira
a driblar o limbo
morre na mesa de um bar
pra você postar triste seu fetiche

O artista preso a uma cadeira
a cerveja esquenta 
o amor esfria




sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Desamança

Testa sua casa em mim
e vê se me confunde só um pouco, 
eu sei 
que tudo dura até o tempo ruim
ficando pros sopros teus ventos ateus

Banha tuas quedas aqui
Desamança a fera do meu corpo, e o seu
deixa que eu bagunço até o fim
despindo a distância entre você e eu


domingo, 22 de outubro de 2023

Panacéia 2

Tudo pode ser encontrado,
exceto a dúvida

A dúvida é um acidente espontâneo
antecessora da teoria 
acomete aos cuidadosos abdicados de certeza
é desapercebida aos presunçosos das ideias de si mesmos

A dúvida mora na pequeneza humana
de ocupar o topo dos relevos da camada superficial de seu próprio chão
mas, se faz futuro a quem lhe permite indagação
pois sem a dúvida, nada se encontra.


Panacéia

Atrás das curvas
por entre os poros
no limite do alcance da visão 
em meio aos vivos deste tempo ou após a miragem 
camuflado na vegetação 
o susto,
todas as necessidades e tudo o que em matéria existe
tudo pode ser encontrado
a romper o silêncio que guarda o comportamento
e que muito se transpõe
pois todas as formas são ideias
todo o palpável é fruta que funda a mim mesmo
nas receitas de panacéias
a rascunhar o parto da obra