sexta-feira, 25 de março de 2016

Ato falho

Me dói a dor que é minha
que fui causa e prato cheio
pra não sentir o golpe do que não me pertence

Me prendo em braços que se estendem
ao que posso eu ser
Despido de rédeas que exasperam
a áurea de não se ater ao rumo das esquinas

Doí em ti
por estar me doendo
Te fiz doer sem querer fazer doer
Pávido, me caio em não me ater ao hino do seu corpo
Em não poder negar a permuta de nossas almas
Em suor, prazer e dor

Impute-me como quiser, mas
avivei o grão que fez restar
com frescor em nossas memórias
o mais intenso e representativo
de toda a inconstância e loucura que chamamos de amor

Me perdoe o ato falho
que falou em dueto ao que desejávamos
falhando do jeito mais honesto e inocente possível



domingo, 13 de março de 2016

Massa de manobra

Pobre zé que se arrastou
a vida toda em prol do pão
ardeu no sol do meio dia pra botar carne na mesa
arou o mato na incerteza de nascer pro amanhã

Aceitou o que lhe deram de bom grado e coração
confiou na lei divina esperançoso em não ser zé
rezou terços, fez promessas
fez do filho a redenção
da mudança que não pôde ver, sentir e nem viver

A escola foi o mundo, o ideal a lei do cão
doutrinado a existir pela ciência de ser gente
exaurido em impertinência nas caçadas do dia-a-dia
da labuta dos que cedo levantam pra se doarem à perdura

Semeou a vida toda um sentimento de exclusão
Viu-se fora do sistema engolido em servidão
Nunca foi representado por alguém que o entendesse
Nunca pôde acalmar-se no lazer de gente branca

Sofrido e usurpado acreditou na televisão
viu na tela a vida bela de quem vive na novela
confiou no engravatado que o mandou bater panela
viu na espreita da direita um discurso no jornal
articulou-se em movimentos pra não ser mais enganado

E lá na rua no protesto, pobre zé não entendia
a madame classe A reclamar da mais-valia
o doutor falar de crise e exalar ostentação
a dancinha ensaiada pra expor indignação

Pobre zé acometido, padecido em intenções
em meio ao caos carnavalesco hasteou bandeira
não pôde apedrejar todas as esquinas que lhe disseram não
esteve envolto no medo pacifista
do golpista oportuno que fabrica a informação

sexta-feira, 4 de março de 2016

Culpa à dois

Acho triste como tudo se repele
e como partem pro depois
indo ao nada
para que dele venha a voz que possa reger ao além
para pregar o desapego
sem sentir-se independente
por os pés pelas mãos forçando a liquidez

O discurso indesejável de amor
não falou dos esquecidos
fez do outro a ruindade, fez-se oposto a verdade
engrandeceu a vasão da dor justificando assim o fim
absteve-se à própria culpa esperando vir de fora
um intermédio que botasse o outro corpo a se mover
sucumbiu à inanição presunçoso de si mesmo
pecou em egoísmo ao esquecer-se do que também não pôde ser