quinta-feira, 17 de abril de 2014

Inverso

Lembro-me de quando ouvi seu choro ao sair de mim
Você parecia assustado com o novo ambiente
Não sei como explicar, mas desde aquele instante eu sempre consegui sentir o que você sentia
Virei duas

Ah, mas vocês não sabem como eu já me desesperei
A impotente sensação de te imaginar passando fome
O dia em que te vi apanhar de seu pai, ter que engolir a seco cada porrada que você recebia
As suas propositais decisões erradas

Eu ralei
Abdiquei de mim mesma para te proporcionar o melhor que fosse possível
As minhas intimidades deram lugar à preocupações
O medo constante tornou-se eterno quando te vi sair de casa

O mundo te engoliu
Cortou suas raízes, te fez romper com a sanidade
O garotinho que vinha correndo à mim, chorando, apontando o joelinho machucado,
ficara irreconhecível com aquele cabelo comprido, com uma barba que fedia a pinga, com os poucos dentes que restaram em sua boca.


Quando finalmente te reencontrei, aos 28 anos, com 47 kilos,
você me olhou nos olhos e pôde sentir-se seguro pela última vez
"- A mamãe está aqui, tá tudo bem."
E eu te abracei com o mesmo amor de quando te amamentava.

Na proposição do ciclo comum que o tempo exerce, você me enterraria
Pra que eu pudesse me livrar dor de ter que enterrar você, meu filho.
Aonde quer que você esteja, saiba que eu te amo.

sábado, 12 de abril de 2014

Saturado de amargo

Por mais que eu tenha fumo pra tragar, não o farei.
Por mais que eu possa me vestir, não o farei. 
Continuarei em posição fetal. 
No meu drama ou em qualquer lugar que eu possa chamar de lar.

Nenhum enfeite me toca.
Nenhuma alternativa é luz.
Da carne que quero fiquei apenas com o cheiro.
Do que é concreto e palpável eu prefiro é o zero.

Meu marco retrógrado.
Atrasado. Que perdeu.
Que nunca teve. 
Que por tudo o que possa parecer de ganho, nada tem.

Mudam as drogas.
Mudam as casas, as peles e as experiências.
Nada se prova. Nada posso provar.
O barulho da porta se abrindo é fruto da minha cabeça.